BEIRA RIO (AVENIDAS 15 DE NOVEMBRO e RUY BARBOSA)
A
partir do histórico da Praça do Santíssimo Salvador, que “antigamente
chamava-se Praça Principal, mas até 1830, só era denominada pelo único nome de
Praça, porque até então não havia outra”, como registra Júlio Feydit em seu
livro “Subsídios para a História de
Campos dos Goytacazes” (p. 180), dá pra se imaginar que o traçado urbanístico
do centro histórico já privilegiava a abertura da Beira Rio, isso no Século
XVII, no sentido de propiciar o melhor escoamento das mercadorias que chegavam
através dos portos do Rio Paraíba do Sul.
Ayres
Cabral (apud Feydit), escrevendo
sobre a Vila de São Salvador, diz em uma nota da página 42 de sua Corographia Brasilica: “Salvador Correa
mandou fundar no seu terreno, em 1652, uma ermida dedicada a São Salvador, e
entregou-a ao cuidados dos MM. Beneditinos, fazendo-os de mais a mais (e bem injustamente) juízes
eclesiásticos”. O grifo é do próprio
Feydit, que se posicionava contrário à posição de beneditinos e jesuítas na
questão fundiária na antiga Vila de São Salvador de Campos dos Goytacazes.
(Página 258).
Contudo
a administração beneditina somente durou de 1648 a 1653 (Op. cit. p. 307),
deixando o cargo frei Fernando de São Bento assumindo, em seu lugar, o Padre
jesuíta Antonio Moreira.
Na
página 260, Feydit assinala: “Vamos retificar alguns pontos que com foros de
verdade correm impressos em relação à história de Campos dos Goytacazes”. E
cita:
“(...)
A Matriz de São Salvador foi edificada em 1948, e não em 1652, o que se conclui
do requerimento apresentado em vereação de 3 de abril de 1653, e por nós já
transcrito”. Com isso fica clara a idéia de que o “terreno” (lugar da praça) já era usado com este
fim no século XVII e a igreja, sua principal edificação, provavelmente começou
a ser construída em 1648 sendo inaugurada (três anos depois) em 1652, não
havendo nenhuma contradição histórica (...).
Em “Notas sobre Fundação do Município de Campos
dos Goytacazes” (Org. Carlos Roberto Bastos Freitas), constam as seguintes
informações, a partir do registro feito
por José Martins Fernandes, em “História
do Descobrimento e Povoação da Cidade de São João da Barra e dos Campos dos
Goytacazes” (Rio de Janeiro, 1868).
(...) Ainda
assim, em princípios de 1648, houve uma nova partilha de terras. Através desta,
o poder eclesiástico solidifica sua presença na então capitania de São Tomé, nos
campos dos Goytacazes. A igreja passou então a fazer parte do processo de
colonização da dita região, e, consequentemente, a ter grande influência nos
seus acontecimentos. E essa representação era de extrema importância em um
período em que a Igreja Católica detinha grande influência perante a Coroa e a
Sociedade.
E vai além ao
afirmar:
(...) Quando
tem início a colonização alguns moradores passaram a fixar-se na margem do Rio
Paraíba e quiseram eles construir a primeira Matriz na atual Praça São Salvador.
Não havendo aceitação por parte dos índios, uma vez que se encontravam enterrados ali seus antepassados. Dessa
forma, constroem em 1648 a primeira igreja matriz onde hoje é a Igreja de São
Francisco. Há relatos de que em 1648 havia uma tosca capela coberta de palha e
alguns casebres em áreas próximas.
Segundo
Vivaldo Coaracy: “Salvador Correa de Sá
mandou fundar no seu terreno, em seiscentos e cinquenta e dois, uma ermida
dedicada a São Salvador, e a entregou aos cuidados dos monges beneditinos
(...)”, confirmando o que descrevera o historiador Julio Feydit.
A Beira Rio se
consolida, então, desde aquela época e, depois, principalmente no trecho entre
a antiga Santa Casa em direção à zona oeste, espaço considerado de luxo, onde a
sociedade mais aquinhoada desfilava com seus cabriolés; enquanto que o trecho
contrário, que ia até onde hoje se encontra a Igreja de Nossa Senhora da Lapa,
concentrava o maior movimento dos portos.
Reportando às
atividades portuárias nas primeiras décadas do século passado, Hervé Salgado
Rodrigues “Campos – Na Taba dos Goytacazes”, (p. 203), “(...) Na década de 20,
na de 30 e até na de 40, as pranchas eram o caminhão do Rio Paraíba. Não havia
estradas rodoviárias e apenas a Leopoldina ligava o interior, os distritos, à
cidade. A posição demográfica era a antípoda de hoje, ou seja, a população da
zona rural era o dobro da urbana. Os fazendeiros ainda moravam em suas
propriedades e os filhos para estudar no Liceu, Colégio Bittencourt, no
Salesiano e depois no colégio do Professor Castro ou vinham morar com parentes
da cidade ou em pensões, enquanto o Salesiano e Bittencourt mantinham o regime
de internato”.
Sobre as
pranchas, cita que “elas foram assim um
marco na história socioeconômica de Campos. Eram canoas largas e reforçadas, com
velas triangulares, tipo latino, muitas com grande capacidade de carga. Faziam
o transporte de produtos agrícolas e alguns industrializados, frutas, lenha e
mercadorias outras que abasteciam a cidade”. E fala sobre o movimento
portuário:
“(...) Nos vários portos o movimento era
intenso. Burburinhos de estivadores carregando sacos e caixas, os gritos dos
carroceiros, as carroças sendo carregadas (em rumo aos armazéns). O Porto das
Barcas era o mais popular e o que maior movimento exibia”. E podemos, inclusive,
acrescentar: passagens de bondes de tração animal, existência de brigas entre
estivadores, botecos com oferta de bebidas e prostitutas...
A Beira Rio só
perdeu (e parte) esta denominação com a Independência do Brasil, que passou a
ser chamada de Avenida do Imperador e, após, a proclamação da República recebeu
o nome atual de Avenida 15 de Novembro, havendo, também, a separação dos
trechos, quando a parte leste ganhou o nome de Avenida Ruy Barbosa.
Hervé ainda
faz uma alusão interessante sobre as pranchas: (...) Se tivéssemos um museu, uma delas deveria estar lá marcando uma época.
Mas somos um povo sem memória. Perdemos o contato com o passado que ficou para
trás, ilhado e quase inacessível.
Pois bem,
mestre Hervé, o Museu Histórico existe e só falta, agora, uma prancha pra
contar as suas histórias.
Centro Histórico
O
centro histórico da cidade de Campos dos Goytacazes foi praticamente
consolidado, a partir do Plano Urbanístico do sanitarista Francisco Rodrigues
Saturnino de Brito, planejado em 1902, muito embora as obras de organização
urbana somente tenham sido iniciadas após 1906, como registra a pesquisa da
Dra. Teresa de Jesus Peixoto Faria, no texto “As reformas urbanas de Campos e
suas contradições”.
Ela
cita, em sua pesquisa, que havia, além da reformulação urbanística, a
necessidade de resolver questões d falta de saneamento, responsável pelas
epidemias, como a peste bubônica, que assolou o município, situação agravada
pela grande enchente verificada naquele ano, resultando em inundações, o que
levou o médico Dr. Benedito Pereira Nunes, idealizador da “cidade saneada”, a
observar que, em 1906, nada tinha sido feito com relação ao projeto de
Saturnino de Brito. E fez o seguinte discurso, publicado na Gazeta do Povo,
solicitando a intervenção do Governo Federal:
Em 1901, quando presidia a Câmara
Municipal de Campos, eu disse que, realmente, Campos, doada de uma natureza e
de situação topográficas excepcionais e que poderia ser chamada a Sultana da
Paraíba se transformou, por negligências da engenharia indígena e da edificação
colonial numa cidade de ruas tortuosas, de becos e de ruelas escuras, cheia de
casebres obscuros e insalubres, criando, assim, um ambiente de condições
idênticas às das cidades asiáticas, onde a peste é endêmica. Os velhos casebres
que existem ainda hoje e onde vive a classe operária pagando baixos alugueis,
confirmam este estado de coisas. Atentados flagrantes às regras de higiene,
legitimando de maneira criminosa o direito dos proprietários pouco
escrupulosos, exploradores conscientes dos pobres moradores de casebres úmidos,
verdadeiros pardieiros pagos com o suor das vítimas.
Tetê
Peixoto assinala: E é o próprio prefeito Ferreira Landim que, em novembro de
1906, anuncia, em discurso também publicado no mesmo jornal, no qual fala nas
dificuldades para colocar a arquitetura de suas habitações de conformidade com
os novos modelos em difusão: “O problema
de salubridade das habitações exige, mais do que nunca, a atenção do poder
municipal. É necessário melhorar as condições de higiene das casas, transformar
o sistema de edificações, expurgar a cidade dos velhos casebres, focos de
infecções de toda a espécie – da tuberculose e da peste, principalmente. No ano
passado, fiz demolir nos termos da lei, 45 desses velhos pardieiros e as
enchentes completaram, em parte, esta obra de saneamento (...)”. A reforma
urbana na cidade de Campos dos Goytacazes obedecia, em tese, ao que era feito
no Rio de Janeiro, nos tempos de Pereira Passos, por volta de 1904.
Da
lista de demolições de velhos edifícios, publicados em seu trabalho, que
parecem prejudicar a imagem da cidade constam 32 demolições e foram condenados
16; construíram-se nove casas novas; 18 foram totalmente reconstruídas, e 16
parcialmente; foram feitos 48 grandes reparos e 217 pequenos reparos. E o Dr.
Pereira Nunes, condenou a cidade “velha”, segundo ele, invadida por ratos. E
reafirma que “Campos reclama de medidas como impermeabilização do solo e a abertura
de áreas de circulação”,
No
documento, a pesquisadora salienta (...) O velho tecido urbano é transformado,
progressivamente, graças às reformas que visam, além do embelezamento da
cidade, dar-lhe uma melhor funcionalidade, adaptando-a aos interesses da
economia capitalista e da burguesia em plena ascensão. Finalmente, neste começo
do século XX, é necessário dotar a cidade dos símbolos do progresso e de uma
imagem de modernidade.
E
ele descreve algumas mudanças operacionalizadas com as reformas do Plano
Saturnino de Brito: “As Ruas: 21 de Abril, Sete de Setembro, Constituição (Rua
Alberto Torres) e Formosa (Tenente Coronel Cardoso) foram alargadas; a antiga
Praça das Verduras (Praça do Chá-Chá-Chá) foi urbanizada e transformada em
praça de lazer; a Praça São Salvador, já com belo jardim, é ornamentada com uma
fonte, os edifícios se renovam como o Renne, o Café High-Life,m Bom Marché e
novos edifícios surgiram, como o do Banco do Brasil (1910), Associação
Comercial de Campos (1913), Correios e Telégrafos e sede da Lira de Apolo
(1917) e o antigo Teatro Trianon (1921). Desses citados, somente sobreviveram o
Renne (com mudanças nos anos 50) e a Lira de Apolo (ora em restauração).
Hoje,
o conjunto de obras ecléticas, o maior do interior do Estado, praticamente está
restrito às Ruas: 21 de Abril, Santos Dumont, Teotônio Ferreira de Araújo
(antiga Barão de Cotegipe), Praça do Santíssimo, Sete de Setembro, 21 de Abril,
Avenida Rui Barbosa, Rua 13 de Maio (antiga Rua Direita) e Rua Formosa (Tenente
Coronel Cardoso), embora existam outros espécimes da época espalhados por
outras artérias da cidade, atingindo até bairros mais distantes e em alguns
distritos, como Goytacazes, Dores de Macabu, Murundu, Santa Bárbara, Vila Nova,
Morro do Coco, Santa Maria e Santo Eduardo. Só para citar alguns...
O
centro histórico de Campos é, com outros avanços ocorridos nos anos 40, por
intervenção da empresa Coimbra Bueno, nos tempos áureos do Prefeito Salo Brand,
que era engenheiro, o que estabelece a Lei (Plano Diretor) 7.972, de
30/03/2008, quando se inicia, embora tardiamente, a se adotar uma política de
preservação do patrimônio Histórico e Cultural do Município, cuidando de suas
instâncias materiais e imateriais.
Inventário em: 25 de Março de
2015.
Pesquisa realizada por: Professor
Orávio de Campos Soares
Trabalho de Campo: Jornalista
Maria Lúcia Bittencourt da Fonseca
Fotografia: Valdimir da Silva
Salino
Responsável: Orávio de Campos
Soares
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